Errar é divino

1 Pode um escritor, em nome de sua arte, contrariar as regras da gramática? Essa é uma das principais questões levantadas pelo poeta português Fernando Pessoa em A Língua Portuguesa.

2 A língua existe para servir o indivíduo, e não para escravizá-lo, pensa o poeta. Sendo uma aventura intelectual, o ato de grafar não deveria submeter-se à vontade unificadora do Estado, assim como uma pessoa jamais deveria aceitar a imposição de uma religião que seu espírito recusasse. Esse tipo de postura gerou impasse. De um lado, ficam os gramáticos, impondo normas. De outro, os artistas clamando por liberdade.

3 A resposta à questão inicial é simples. Os artistas da língua não passam para a posteridade porque rompem com a norma, mas porque sabem tirar proveito da ruptura. A transgressão, para ser bem-sucedida, deve possuir função estrutural. tanto no texto como no comportamento. Ela pode dar impressão de firmeza, na precisão, de ambiguidade, de ironia ou sugerir diversas coisas ao mesmo tempo. Na maioria dos casos, indica novas propostas para o futuro.

4 Pela perspectiva dos artistas, os gramáticos não passam de meros guardiães de uma inutilidade consagrada pelo poder constituído. Para eles, dominar a norma culta do idioma não excede, em valor, o conhecimento do código de trânsito, por natureza convencional e efêmero: num dia, certa rua dá mão; no outro, não dá; e, na próxima semana, pode ser que a mesma rua não existia. Observa-se o mesmo nas normas da gramática, que variam conforme as convenções gerais de cada época. Acontece que os artistas pretendem escrever para as gerações futuras.
Ivan Teixeira - Revista Veja
Faço a indicação de uma leitura extraordinária do livro " ALíngua de Eulália"de Marcos Bagno, nele aprendemos concretamente sobre a questão da língua portuguesa ensinada nas escolas.